corpo em Peter Greenaway
Peter Greenaway é um dos realizadores que mais explora o tema dos rituais com os quais a sociedade ocidental oculta o corpo. Ele usa o nu na sua forma barroca, fútil e excessiva. De toda a sua extensa filmografia, O cozinheiro, o ladrão, a sua mulher e o amante e o Livro de Cabeceira são aqueles em que, mais claramente, o corpo é associado ao consumismo, metáfora do capitalismo crescente; no primeiro associado ao canibalismo (metáfora do consumismo levado ao extremo), no segundo, o corpo apresentado como imagem de uma literacia abandonada pela cultura moderna, o corpo que perde a sua capacidade significativa, escondido por debaixo da capa das letras, que o abafam e reprimem. A cultura como bem consumível é uma das metáforas mais usadas nos filmes de Greenaway.
A imagem dos corpos em Peter Greenaway fazem parte de uma imagética revolucionadora no cinema. Greenaway pinta, mais do que realiza, os planos dos seus filmes (revelando aliás a sua primeira formação que foi a pintura). Por via do excesso organizam-se em série vários de seus filmes. Em Drawing by Numbers há uma numeração de um a cem, que vai do início ao fim do filme. Em The Prospero’s Books são os livros que determinam a ordem dos acontecimentos. Os filmes de Greenaway convidam à sedução visual assim como ao desafio intelectual. Como puzzles intrigantes, obrigam o espectador, através de pistas e vestígios, à investigação. Elemento chave para a compreensão de cada filme, o corpo ocupa um lugar de destaque na obra de Greenaway, tendo um significado próprio: o corpo nu é sereno, o corpo vestido está pesado da culpa e da vergonha. Para Greenwawy o uso excessivo do corpo acaba no canibalismo, metaforicamente e literalmente em vários dos seus filmes. Alusão à moral excessiva, proveniente da tradição cristã em que na Ceia Final, Cristo oferece o Seu Corpo, numa simbiose total do corpo material “este é o meu corpo”. O consumismo capitalista e o cristianismo têm a mesma metáfora do consumo do físico, através do corpo. O centro de todas as questões que atravessa todos os tempos, todas as culturas e identidades é o próprio eu físico. Todos têm um corpo, mutilado ou não, todos os seres têm na sua exterioridade uma forma de filtrar a imagem interior. As interpretações sobre o corpo variam, os rituais do corpo mudam, mas o corpo continua, imune às concepções filosóficas. Nas sociedades consumistas e hedonistas, o culto ao corpo é muito intenso, num sentido comercial. O corpo dos filmes de Greenaway ignora as modas, o corpo não é jovem, elegante; por vezes é mesmo “aparentemente feio”, escapando aos estereótipos criados pelas modas: este parece-me ser o aspecto mais importante evidenciado por Greenaway; quando representa o corpo, são as várias vertentes do uso omnipresente do corpo, o interior, o exterior, o doente e o são, a deformação … É toda uma enciclopédia fisiológica da humanidade.
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