A interpretação crítica de um filme constitui uma actividade na qual o observador desempenha o papel principal. O texto está inerte até que o espectador/intérprete entra em contacto com ele e constroi uma rede de significação elaborada sobre os campos referenciais construídos pelo autor.
Desde a obra pioneira de Jonathan Culler
A Poética Estruturalista, vários teóricos propuseram que os críticos produzissem as interpretações seguindo regras.
Os significados construídos numa análise crítica são apenas de quatro tipos possíveis: significado referencial, explícito, implícito e sintomático.
O significado referencial é o mais claro na diegese fílmica (usando o filme de Hitchcock
Psycho, (1960) como exemplo, os significados referenciais são retirados da viagem da protagonista Marion Crane desde Phoenix a Fairvale e todos os acontecimentos que ocorrem).
O significado explícito, no entanto, está um nível acima numa escala de abstração (usando o mesmo filme como exemplo, poderemos dizer que os significados explícitos de
Psycho decorrem da ideia de que a demência pode vencer sobre a sanidade mental. Os significados referencias e explícitos são literais e facilmente visíveis e são essenciais para a compreensão de qualquer obra cinematográfica.
Já a significação implícita pressupõe um grau de clareza muito menos evidente (o significado implícito de “Psycho” poderia ser a ambiguidade entre demência e a sanidade). A significação reprimida ou sintomática é aquela que é expressa de forma inconsciente e, por isso, aquela que escapa às intenções do autor da obra (por exemplo, usando uma análise psicanalítica,
Psycho revela o medo masculino da sexualidade da mulher). Por exemplo, Annette Michelson, num ensaio de 1969 publicado na Revista ArtForum, sugeriu que “2001: Odisseia no Espaço” oferecia “um discurso sobre o conhecimento através da percepção como acção e, no fundo, sobre a natureza do meio como cinema de acção, como modo e modelo de cognição” -MICHELSON, Annette, “Bodies in Space: Film as Carnal Knowledge”, Artforum 7,6 (Fevereiro de 1969), p.57.
É apenas da construção destes dois últimos níveis de significação (implícito e sintomático) que nasce a interpretação, uma vez que da significação referencial e explícita decorre simplesmente a compreensão da obra.
(Sobre o significado explícito e implícito, ler: Gerald Prince, «Narrative Pragmatics, Message and Point», Poetics 12, 1983, pp. 530-532)
Cabe ao crítico construir um conjunto de significação coerente, escolhendo os campos semânticos apropriados à análise do filme, elaborando o melhor modelo de análise, segundo uma metodologia específica. Vendo o filme, o intérprete crítico começa por identificar as indicações que o incitam a executar inferências, que vão desde a actividade de perceber o movimento aparente, passando pelo processo cognitivo de construir laços entre cenas, até ao processo mais aberto da atribuição dos significados abstractos ao filme. Após este trabalho exaustivo, o crítico deverá construir uma justificação capaz de convencer o leitor da sua interpretação. «Ao crítico activo não basta descobrir, quero dizer, construir significados sintomáticos ou explícitos; deve justificá-los através do discurso público. Todos os problemas propostos pela instituição têm uma dimensão retórica, cujo exemplo mais evidente é a busca de uma interpretação convincente.» – BORDWELL, David – El Significado del Filme, Barcelona, Ed. Paidós, 1995, (Trad. de Josetxo Cerdán e Eduardo Iriarte)
Assumindo que os significados mais pertimentes são implícitos e sintomáticos, as actividades principais de um crítico, uma vez escolhido o filme, são: o destacar campos semânticos; traçar o mapa de campo semânticos sobre o filme, em diversos níveis, correlacionando as unidades textuais com características semânticas (aqui entram em jogo a construção de analogias, elaboração de modelos mentais, criação de hipóteses, etc.); articula um argumento que demonstre a inovação, convencendo os leitores da validez da dua interpretação.
Na minha opinião, o mais importante na interpretação crítica é o cuidado com a coerência lógica segundo a metodologia escolhida, uma vez que, como salienta Bordwell na obra citada (p. 160), «Num filme, qualquer imagem ou som permite um número indefinido de descrições verbais, muitas das quais revestem uma infinidade de implicações metafóricas.»