08 julho 2007

Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!
...
Quem nos deu asas para andar de rastos?
Quem nos deu olhos para ver os astros-
Sem nos dar braços para os alcançar?!...
FLORBELA ESPANCA

19 julho 2006

mudei de tema e de blog

mudei de tema e de blog

Deixei de escrever sobre cinema e passei a falar sobre questões mais espirituais. Coisas que acontecem...
Para quem estiver interessado, continuo a escrever aqui

25 outubro 2005

interpretação crítica

interpretação crítica



A interpretação crítica de um filme constitui uma actividade na qual o observador desempenha o papel principal. O texto está inerte até que o espectador/intérprete entra em contacto com ele e constroi uma rede de significação elaborada sobre os campos referenciais construídos pelo autor.
Desde a obra pioneira de Jonathan Culler A Poética Estruturalista, vários teóricos propuseram que os críticos produzissem as interpretações seguindo regras.

Os significados construídos numa análise crítica são apenas de quatro tipos possíveis: significado referencial, explícito, implícito e sintomático.
O significado referencial é o mais claro na diegese fílmica (usando o filme de Hitchcock Psycho, (1960) como exemplo, os significados referenciais são retirados da viagem da protagonista Marion Crane desde Phoenix a Fairvale e todos os acontecimentos que ocorrem).
O significado explícito, no entanto, está um nível acima numa escala de abstração (usando o mesmo filme como exemplo, poderemos dizer que os significados explícitos de Psycho decorrem da ideia de que a demência pode vencer sobre a sanidade mental. Os significados referencias e explícitos são literais e facilmente visíveis e são essenciais para a compreensão de qualquer obra cinematográfica.
Já a significação implícita pressupõe um grau de clareza muito menos evidente (o significado implícito de “Psycho” poderia ser a ambiguidade entre demência e a sanidade). A significação reprimida ou sintomática é aquela que é expressa de forma inconsciente e, por isso, aquela que escapa às intenções do autor da obra (por exemplo, usando uma análise psicanalítica, Psycho revela o medo masculino da sexualidade da mulher). Por exemplo, Annette Michelson, num ensaio de 1969 publicado na Revista ArtForum, sugeriu que “2001: Odisseia no Espaço” oferecia “um discurso sobre o conhecimento através da percepção como acção e, no fundo, sobre a natureza do meio como cinema de acção, como modo e modelo de cognição” -MICHELSON, Annette, “Bodies in Space: Film as Carnal Knowledge”, Artforum 7,6 (Fevereiro de 1969), p.57.


É apenas da construção destes dois últimos níveis de significação (implícito e sintomático) que nasce a interpretação, uma vez que da significação referencial e explícita decorre simplesmente a compreensão da obra.
(Sobre o significado explícito e implícito, ler: Gerald Prince, «Narrative Pragmatics, Message and Point», Poetics 12, 1983, pp. 530-532)

Cabe ao crítico construir um conjunto de significação coerente, escolhendo os campos semânticos apropriados à análise do filme, elaborando o melhor modelo de análise, segundo uma metodologia específica. Vendo o filme, o intérprete crítico começa por identificar as indicações que o incitam a executar inferências, que vão desde a actividade de perceber o movimento aparente, passando pelo processo cognitivo de construir laços entre cenas, até ao processo mais aberto da atribuição dos significados abstractos ao filme. Após este trabalho exaustivo, o crítico deverá construir uma justificação capaz de convencer o leitor da sua interpretação. «Ao crítico activo não basta descobrir, quero dizer, construir significados sintomáticos ou explícitos; deve justificá-los através do discurso público. Todos os problemas propostos pela instituição têm uma dimensão retórica, cujo exemplo mais evidente é a busca de uma interpretação convincente.» – BORDWELL, David – El Significado del Filme, Barcelona, Ed. Paidós, 1995, (Trad. de Josetxo Cerdán e Eduardo Iriarte)
Assumindo que os significados mais pertimentes são implícitos e sintomáticos, as actividades principais de um crítico, uma vez escolhido o filme, são: o destacar campos semânticos; traçar o mapa de campo semânticos sobre o filme, em diversos níveis, correlacionando as unidades textuais com características semânticas (aqui entram em jogo a construção de analogias, elaboração de modelos mentais, criação de hipóteses, etc.); articula um argumento que demonstre a inovação, convencendo os leitores da validez da dua interpretação.
Na minha opinião, o mais importante na interpretação crítica é o cuidado com a coerência lógica segundo a metodologia escolhida, uma vez que, como salienta Bordwell na obra citada (p. 160), «Num filme, qualquer imagem ou som permite um número indefinido de descrições verbais, muitas das quais revestem uma infinidade de implicações metafóricas.»

08 outubro 2005

«Hollywood es el inconsciente de las masas, extraído con la brutalidad de una excavadora ahondando en las profundidades de una colina, y servido sobre una pantalla deseperadamente vacía.» PARKER TYLER

05 outubro 2005

metacrítica

metacrítica

O pessimismo de Roland Barthes sobre uma metacrítica de leitura está
provavelmente baseado no facto de aqueles que interpretam poderem extrair de um
único elemento textual um número indefinidamente prolongado de significados.

28 setembro 2005

media e sociedade consumista

media e sociedade consumista


Algumas citações que apoiam o breve estudo do enredo do filme Fight Club :
.............................
«nós somos, tal como somos, organizados pela agenda pública que se afixa do lado de fora, nos “media”»
in SFEZ, Lucien, Crítica da Comunicação, Lisboa, Instituto Piaget, 1990 (2ª ed., 1994), p.271.

«…les media sont effecteurs non pas de la socialisation, mais juste à l’inverse de l’implosion du social dans les masses. Et ceci n’est que l’extension macroscopique de l’implosion du sens au niveau microscopique du signe. Celle-ci est à analyser à partir de la formule de MacLuhan medium is the message, dont on est loin d’avoir épuisé les conséquences»
in BAUDRILLARD, Jean, Simulacres et Simulations, Paris, Éditions Galilée, 1981, pp. 121-123.

«…cultura pós-moderna sem inovação nem audácia verdadeiras, contentando-se com democratizar a lógica hedonista, com radicalizar a tendência para privilegiar as inclinações mais baixas em lugar das mais nobres … Com o universo dos objectos, da publicidade, dos media, a vida quotidiana e o indivíduo já não têm peso próprio, anexados como se encontram pelo processo da moda e da obsolescência acelerada: a realização definitiva do indivíduo coincide com a sua dessubstancialização, com a emergência de átomos flutuantes esvaziados pela circulação dos modelos e por isso recicláveis»
in Lipovetsky, Gilles, A era do vazio, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1983, pp.99-100.

«tanto na lógica dos signos como na dos símbolos, os objectos deixam de estar ligados a uma função ou necessidade definida, precisamente porque correspondem a outra coisa, quer seja ela a lógica social quer a lógica do desejo, às quais servem de campo móvel e inconsciente de significação. ... A diferenciação pode assumir a forma da recusa dos objectos e da recusa do consumo.»
in BAUDRILLARD, Sociedade de Consumo, Lisboa, Edições Setenta

26 setembro 2005

Fight Club e esquizofrenia do consumismo

Fight Club e esquizofrenia do consumismo


Fight Club, de David Fyncher (1999), é um filme que considero exemplificativo da contemporaneidade consumista e hedonista.

O enredo de Fight Club gira em torno das inquietações vividas por um protagonista que sofre de insónias e cuja vida sofre uma mudança radical pela excitação apresentada por Tyler Durden. O protagonista vive perfeitamente integrado numa sociedade ultra-capitalista em que as ilusões produzidas pela publicidade e pela televisão provocam um fosso entre as expectactivas e as possibilidades reais.
A angústia da verdade existencialista, presente em todo o filme, traduz o pessimismo gerado pela liberdade inerente à existência. A sociedade de Fight Club vive a melancolia do paraíso perdido e é desta sociedade que o protagonista se pretende libertar. Do confronto entre o seu desejo de libertação e a sua integração nasce a dissociação de personalidade: Jack (Edward Norton) e Tyler (Brad Pitt).


O protagonista de Fight Club é integrado e apocalíptico.
Jack está integrado na sociedade consumista em que vive "What kind of dinning-set defines me?", Tyler personifica toda a humanidade possuidora dos mitos de fim do mundo, que conhece as suas imperfeições e, por isso, adopta um papel messiânico "We all start seeing things differentely", encetando a revolução libertadora da escravidão consumista, através da destruição dos símbolos tecnológicos da sociedade capitalista.

Tal como o rizoma de Deleuze sem forma definida, por oposição às estruturas radiculares, assim funciona a identidade do complexo protagonista dividido entre Jack/Tyler, perdido informe numa personalidade paradoxal e ambivalente: por um lado, Tyler líder fundador do Comité de Demolições que anseia pelo espectáculo de destruição massiça "We have front row seats for this Theater of Mass Destruction. The Demolitions Committee of Project Mayhem wrapped the foundation columns of ten buildings with blasting gelatin"; por outro lado, Jack escravo da revista Ikea que vive a simulação da naturalidade «Tinha até louça de vidro com bolhinhas de ar e imperfeições para provar que eram produzidas por indígenas», que vive a “vulgarização ao nível do objecto, dos signos distintivos tirados de todos os registos (o passado, o neo, o exótico...) e da cultura desordenada de signos…” (BAUDRILLARD, A Sociedade de Consumo, Lisboa, Edições 70, p. 115.)
A insónia é o prenúncio da fragmentação. "With insomnia nothing is real … Everything is a copy of a copy of a copy". Do vazio inicial que Jack tenta preencher com a profundidade emocional dos grupos de apoio, gera-se a ansiedade crescente que dá força a Tyler; começando por queimar o luxuoso condomínio, passando pela busca da ascese através da pobreza e da dor e acabando na destruição dos simulacros criados pelo capitalismo.
Tyler assume-se como um Mestre Zen, usando aforismos budistas "I was the Zen master. I wrote little iku poems". De pequenas subversões como inserir fotogramas pornográficos em filmes familiares e contaminação da comida dos hotéis «Tyler … farted on meringue; he sneezed on braised endive», passa a um exército de discípulos com um ritual de iniciação no “Projecto de Destruição” no qual os candidatos provam a sua obediência à ideologia «This is a chemical burn. It will hurt more than you've ever been burned and you will have a scar… This is your pain … Look at it». A religião de Tyler funda-se em discursos contra o consumismo e os meios de comunicação social. «The great war is a spiritual war. We were raised by television to believe that we'd be millionaires and movie gods and rock stars, but we won't. »



Mas à medida que o Clube de Combate cresce, cada vez mais se funde com o modelo capitalista. Por todo o lado onde vai, encontra um clube igual com um líder idêntico a si próprio. «A grande perversidade deste sistema (consumista) reside precisamente no facto de realmente conseguir convencer cada um de nós de uma liberdade e originalidade ilusórias. Apenas mais um dos vários simulacros criados pela sociedade ultra-capitalista. ... a carteira diferente para quem tem um estilo de vida único... O consumidor esquece-se que cada um desses objectos únicos e originais é produto de uma indústria que fabrica biliões de outros rigorosamente iguais a estes únicos.» (BAUDRILLARD, op.cit.)
A morte da ideologia do Projecto mata Tyler, obrigando Jack a uma corrida desesperada em busca do seu lado niilista, descobrindo a sua própria impotência perante os franchisings dos clubes de combate semelhantes aos da economia capitalista que ele combate. Neste ponto, o protagonista é obrigado a enfrentar a sua esquizofrenia.
No derradeiro encontro consigo mesmo, Tyler e Jack confrontam-se. Metáfora da sociedade mediática teorizada por Lucien Sfez: esquizofrénica, tautológica e autista. (SFEZ, Teoria da Comunicação, Lisboa, Instituto Piaget, 1990)

A demolição dá início ao caos económico. Tal como os mapas da alegoria de Jorge Luís Borges em que os simulacros - territórios do mapa desaparecem à semelhança do declínio do reino, em Fight Club é a entidade Tyler (simulacro criado por Jack) que causa o desaparecimento dos simulacros criados pela sociedade capitalista.

corpos e Peter Greenaway

corpos e Peter Greenaway

A propósito de "corpos" há mesmo muito a dizer. Tenho lido e escrito várias coisas sobre o corpo. Um realizador que dedica uma grande parte dos conteúdos dos seus filmes ao "corpo" é Peter Grennaway. É um dos meus realizadores favoritos por muitas razões, logo a começar pela estética.