26 setembro 2005

Fight Club e esquizofrenia do consumismo

Fight Club e esquizofrenia do consumismo


Fight Club, de David Fyncher (1999), é um filme que considero exemplificativo da contemporaneidade consumista e hedonista.

O enredo de Fight Club gira em torno das inquietações vividas por um protagonista que sofre de insónias e cuja vida sofre uma mudança radical pela excitação apresentada por Tyler Durden. O protagonista vive perfeitamente integrado numa sociedade ultra-capitalista em que as ilusões produzidas pela publicidade e pela televisão provocam um fosso entre as expectactivas e as possibilidades reais.
A angústia da verdade existencialista, presente em todo o filme, traduz o pessimismo gerado pela liberdade inerente à existência. A sociedade de Fight Club vive a melancolia do paraíso perdido e é desta sociedade que o protagonista se pretende libertar. Do confronto entre o seu desejo de libertação e a sua integração nasce a dissociação de personalidade: Jack (Edward Norton) e Tyler (Brad Pitt).


O protagonista de Fight Club é integrado e apocalíptico.
Jack está integrado na sociedade consumista em que vive "What kind of dinning-set defines me?", Tyler personifica toda a humanidade possuidora dos mitos de fim do mundo, que conhece as suas imperfeições e, por isso, adopta um papel messiânico "We all start seeing things differentely", encetando a revolução libertadora da escravidão consumista, através da destruição dos símbolos tecnológicos da sociedade capitalista.

Tal como o rizoma de Deleuze sem forma definida, por oposição às estruturas radiculares, assim funciona a identidade do complexo protagonista dividido entre Jack/Tyler, perdido informe numa personalidade paradoxal e ambivalente: por um lado, Tyler líder fundador do Comité de Demolições que anseia pelo espectáculo de destruição massiça "We have front row seats for this Theater of Mass Destruction. The Demolitions Committee of Project Mayhem wrapped the foundation columns of ten buildings with blasting gelatin"; por outro lado, Jack escravo da revista Ikea que vive a simulação da naturalidade «Tinha até louça de vidro com bolhinhas de ar e imperfeições para provar que eram produzidas por indígenas», que vive a “vulgarização ao nível do objecto, dos signos distintivos tirados de todos os registos (o passado, o neo, o exótico...) e da cultura desordenada de signos…” (BAUDRILLARD, A Sociedade de Consumo, Lisboa, Edições 70, p. 115.)
A insónia é o prenúncio da fragmentação. "With insomnia nothing is real … Everything is a copy of a copy of a copy". Do vazio inicial que Jack tenta preencher com a profundidade emocional dos grupos de apoio, gera-se a ansiedade crescente que dá força a Tyler; começando por queimar o luxuoso condomínio, passando pela busca da ascese através da pobreza e da dor e acabando na destruição dos simulacros criados pelo capitalismo.
Tyler assume-se como um Mestre Zen, usando aforismos budistas "I was the Zen master. I wrote little iku poems". De pequenas subversões como inserir fotogramas pornográficos em filmes familiares e contaminação da comida dos hotéis «Tyler … farted on meringue; he sneezed on braised endive», passa a um exército de discípulos com um ritual de iniciação no “Projecto de Destruição” no qual os candidatos provam a sua obediência à ideologia «This is a chemical burn. It will hurt more than you've ever been burned and you will have a scar… This is your pain … Look at it». A religião de Tyler funda-se em discursos contra o consumismo e os meios de comunicação social. «The great war is a spiritual war. We were raised by television to believe that we'd be millionaires and movie gods and rock stars, but we won't. »



Mas à medida que o Clube de Combate cresce, cada vez mais se funde com o modelo capitalista. Por todo o lado onde vai, encontra um clube igual com um líder idêntico a si próprio. «A grande perversidade deste sistema (consumista) reside precisamente no facto de realmente conseguir convencer cada um de nós de uma liberdade e originalidade ilusórias. Apenas mais um dos vários simulacros criados pela sociedade ultra-capitalista. ... a carteira diferente para quem tem um estilo de vida único... O consumidor esquece-se que cada um desses objectos únicos e originais é produto de uma indústria que fabrica biliões de outros rigorosamente iguais a estes únicos.» (BAUDRILLARD, op.cit.)
A morte da ideologia do Projecto mata Tyler, obrigando Jack a uma corrida desesperada em busca do seu lado niilista, descobrindo a sua própria impotência perante os franchisings dos clubes de combate semelhantes aos da economia capitalista que ele combate. Neste ponto, o protagonista é obrigado a enfrentar a sua esquizofrenia.
No derradeiro encontro consigo mesmo, Tyler e Jack confrontam-se. Metáfora da sociedade mediática teorizada por Lucien Sfez: esquizofrénica, tautológica e autista. (SFEZ, Teoria da Comunicação, Lisboa, Instituto Piaget, 1990)

A demolição dá início ao caos económico. Tal como os mapas da alegoria de Jorge Luís Borges em que os simulacros - territórios do mapa desaparecem à semelhança do declínio do reino, em Fight Club é a entidade Tyler (simulacro criado por Jack) que causa o desaparecimento dos simulacros criados pela sociedade capitalista.

11 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Grande filme de David Fyncher! Fight Club é um verdadeiro hino à reflexão da nossa sociedade. Mostra-se como o reflexo dos principais medos que por vezes são "abafados" por todo esse consumismo que funciona como uma espécie de droga levando à dependência e à decadência da sociedade em geral. Funcionou, a meu ver, como um grito de revolta e um verdadeiro murro no estômago principalmente a todo esse processo de canibalização que referiste dos diferentes grupos e líderes que se vão formando.
Já o vi à algum tempo e com esta tua bela análise deste-me vontade de o ver novamente! :)

Por último só tenho que fazer referência a esses comentários anónimos irritantes que aparecem no teu blog. Eu não conheço o sistema do blogspot mas não há nenhuma protecção para isso? É pena uma pessoa ter que ler comentários que em nada louvam este excelente blog!

Os meus cumprimentos! *

2:13 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Parece que não há nada a fazer quanto a estes comentários "spam". Não percebo porque é que o "blodspot" não faz alguma coisa do tipo "teste de Turing", como tem o sapo. Obrigada pelo comentário André. * Isabel MR

2:58 da manhã  
Blogger Francisco Mendes said...

O forte elemento de sátira e comédia negra imortalizam o filme. O humor macabro, a violência e a imprevisível narrativa sublinham o arguto e profundo testamento sobre a sociedade moderna. “Fight Club” é o retrato psicológico detalhado do homem alienado, insatisfeito e confuso.

“Fight Club" é sobre submissão, sobre a adulteração provocada na identidade humana pela inquietante sociedade de consumo. A arrojada, subversiva, intoxicante, obscura e excelsa forma como Fincher exibe o seu recado de submissão é deveras mais chocante que qualquer uma das sequências de luta expostas na fascinante e importante obra cinemática.
David Fincher criou uma Obra-Prima contemporânea e explanou a sua perícia enquanto um dos superiores realizadores dos últimos anos.

8:40 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Muito bom, otimo filme. Da pra passar dias falando dele, em suas metaforas, e o que significa cada acao, ou reacao... []´s

12:36 da tarde  
Blogger Lufiro said...

Cara isabel. Não leve a mal, mas parece-me que o seu artigo falha cmpletamente o alvo. Não é a sociedade hedonista e consumista que está em jogo neste filme. Os problemas são: 1) problema da identidade pessoal, a saber, quem é o quê, como e quando. 2) Até que ponto é possível alguém criar um outro de si sem se aperceber disso ( que inclui: qual é o limite do EU, quais as suas fronteiras, onde acabo Eu e começa o outro). 3)Como é que núcleos sociais amorais e imorais se formam à volta de um Eu completamente esquizofrénico: por receio, ignorância e fanatismo das pessoas etc. Desculpe, mas é a minha opinião.

11:13 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Lufiro
Obrigada pelo comentário.
As questões que colcocou não são incompatíveis com as que eu coloquei; aliás, são precisamente as mesmas: 1-a questão da identidade dividida entre: a)um hiper-consumista bem integrado e b)um místico desintegrado; 2-é sempre possível a dissociação de personalidade quando 2 aspestos fulcrais são profundamente contraditórios; assim, o eu e a sua alteridade coexistem no mesmo corpo físico (é exactamente esta a definição da esquizofrenia). A única questão que não coloco é a da moral ou ética. A explicação desta dissociação de personalidade consiste, na minha opinião, no fosso entre uma sociedade com mitos fundados em factores naturais e mitos fundados em factores de ordem artificial, criados pelo capitalismo, que apelam ao consumismo e prazer imediato. IsabelMR

12:54 da manhã  
Blogger Lufiro said...

Cara Isabel. Concordo consigo quando diz que estamos talvez a ver os mesmos problemas a partir de perspectivas diferentes; que são, no meu caso, a perspectiva da análise metafísica na natureza do Eu, e, no seu caso, julgo, uma abordagem do Eu e das suas bifurcações possíveis feita a partir da análise da psicologia comportamental e do estudo sociológico. Talvez então a minha "reacção" tenha sido prematura ou despropositada. Mantenho contudo que não devíamos confundir os problemas centrais com os factores circundantes agregados ao problema central. Por isso mantenho que os temas do consumismo e do hedonismo presentes ns sociedades contemporaneas são apenas temas colaterais e não fulcrais do filme. Mas isto é apenas uma opinião...posso perfeitamente estar errado. cumps

6:26 da tarde  
Blogger brain-mixer said...

Este é um daqueles filmes que não podem analisar ao fim de alguns anos... Deixem-no amadurecer, passados uns 20 anos e estudá-lo depois, como foi o caso de Clockwork Orange e Citizen Kane.

Tylwer Durden ainda não é o que parece... Vão por mim.

3:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O filme tem a reputação de trabalhar com temas muito comuns ao "American Way of Life", mas agora isso está meio que universal. Contando a história em poucas palavras, é a de um sujeito alienado que se junta a uma sociedade secreta em busca de sua identidade ou senso de realização. Até que descobre que o lugar onde se meteu, lá pelo final do filme. Como o brasileiro comum pode se identificar com o filme? Não tem nada de brasileiro lá. O sujeito é um executivo cuja única vida social são pessoas que ele encontra no trabalho ou quando viaja de avião de um lugar para outros. Sem amigos, sem identidade. Começa a freqüentar um grupo de auto-ajuda composto de gente que perdeu os testículos por conta do câncer. E para de ter insônia, se identifica com os caras.

5:03 da tarde  
Blogger rafael said...

belo texto sim senhora.

beijinhos

10:54 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ao autor do blog: parte do seu texto foi copiado por uma usuária do facebook (http://www.facebook.com/profile.php?id=100002154086435&ref=ts#!/photo.php?fbid=182263455188789&set=a.108739852541150.17185.100002154086435&type=1&theater), que se declara autora do mesmo. Sugiro tome as providências cabíveis contra essa apropriação vergonhosa de seus direitos autorais e intelectuais. Repare que a suposta autora realiza colagens de diversos outros textos de autores conhecidos disponibilizados na internet e os compila como se fossem de sua autoria, sem citar fonte ou o verdadeiro autor.

12:14 da manhã  

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